Arquivo | 05/04/2012

Grito de Alerta: Ato em São Paulo é marcado por críticas à política econômica do país

Mudança na política econômica. Essa foi a tônica dos discursos de sindicalistas e empresários no grande ato do movimento “Grito de Alerta em defesa da produção e do emprego”, realizado em São Paulo com a participação de 90 mil pessoas.

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Realizada em frente à Assembleia Legislativa do estado (Alesp), a manifestação compõe um calendário nacional de atividades que ainda passa por Manaus, Minas Gerais, Bahia, Ceará e Brasília, que fecha o ciclo.

“A construção desse movimento é importante para a nação como um todo, pois o que está representado aqui é o setor produtivo unido por um novo projeto de desenvolvimento para o país que reduza a taxa de juros e controle o câmbio para termos uma indústria forte com empregos valorizados”, destacou o dirigente da CTB e deputado federal Assis Melo (PCdoB-RS).

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Wagner, Assis Melo, Paulinho e Moysés Leme comemoram sucesso do ato

Unidade em prol de avanços para o país

O movimento Grito de Alerta contra a desindustrialização, promovido pelas centrais sindicais, confederações, federações, sindicatos, desta vez traz uma novidade: a adesão massiva do setor produtivo, preocupado com a falta de investimento na indústria nacional e a falta de competitividade, consequência da concorrência desleal com o mercado externo.

“É uma união histórica, entre trabalhadores, sindicalistas e empresários pelo mesmo ideal: o crescimento do país. Quando os políticos constatarem que estamos juntos por uma única causa, tenho certeza de que nosso grito de alerta será ouvido. Temos que estar juntos, sim, em favor dessa proposta para um país mais justo”, afirmou Luiz Aubert Neto, presidente da Associação Brasileira de Máquinas e Equipamentos (Abimaq).

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Para presidente da Abimaq união é histórica

Opinião compartilhada pelo vice-presidente da CTB, Nivaldo Santana. “Este é um ato que representa um marco, algo que por sua amplitude e por seus objetivos deve provocar grande impacto. O projeto nacional de desenvolvimento pelo qual lutamos precisa de uma política industrial afirmativa, com juros menores e mudanças na política macroeconômica”.

Sobre as diferenças de opiniões, Salaciel Vilela, secretário-geral adjunto da CTB, lembra que é importante saber deixa-las de lado em prol do bem do povo brasileiro. “Divergências nós temos, mas neste momento as colocamos de lado para construirmos uma unidade que tem como principal objeto avançar na construção de um projeto de desenvolvimento que passe por melhores condições de trabalho e salários mais justos”.

Concorrência desleal

Empresários e sindicalistas estão preocupados com os números apresentados pela indústria nacional, que tem sofrido com a concorrência desleal dos produtos importados. “Esse ato tem também como objetivo alertar a população que compra esses produtos e não pensa de onde vem. Estamos num processo de desindustrialização e o resultado será o fechamento dos postos de trabalho. Daí a importância dessa manifestação”, alertou Fausto Augusto Junior, assessor técnico do Dieese (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos).

Para o técnico do Dieese, as medias anunciadas pela presidenta Dilma Rousseff na última terça-feira (03) estão no caminho certo. No entanto, de acordo com ele ainda existem diversos pontos que precisam ser alterados, como baixar a taxa de juros e facilitar o acesso dos micro empresários aos benefícios. “As grandes empresas conseguem ter acesso a essas medidas. Mas o desafio está em fazer as pequenas também terem acesso. Isso é muito mais complexo. Daí o governo vai precisar trabalhar mais isso”.

O pacote econômico anunciado incluiu entre outras medidas a desoneração da folha de pagamento para 15 ramos de atividade, com a extinção da contribuição previdenciária patronal (20% dos salários) e sua substituição por um imposto sobre o faturamento, com alíquota entre 1 e 2%.

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“Ainda falta muito”, observa presidente da CTB-SP

No entanto, para os sindicalistas as medidas são insuficientes, pois o cenário demanda medidas mais rigorosas. “Estamos no caminho certo, mas ainda falta muito. Essas são medidas paliativas, que não resolvem o problema que estamos enfrentando. Estamos no caminho certo, mas é preciso mais”, destacou Onofre Gonçalves, presidente da CTB São Paulo.

Para Marcelino Rocha, presidente da Federação Interestadual dos Metalúrgicos do Brasil (Fitmetal) e do Sindicato dos Metalúrgicos de Betim-MG, o Brasil acordou na hora certa. “Todos os países estão tomando medida de proteção ao setor industrial. O Brasil acordou no momento adequado porque não é possível que a indústria brasileira tenha uma participação quase a metade do que já teve no governo Juscelino Kubitschek”.

Mobilização Brasil afora

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Marcelo Toledo afirma que trabalhadores não podem ser prejudicados

“Trabalhadores do mundo inteiro estão unidos contra uma crise que foi desencadeada pelo capitalismo. Temos que combater esse cenário e seus prejuízos. E vamos continuar defendendo a classe operária bem como emprego decente, combatendo a precariedade que vitimam milhões de trabalhadores em razão das péssimas condições de trabalho a que são submetidos. Esse ato demonstra a unidade política da classe trabalhadora”, afirmou Marcelo Toledo, dirigente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Caetano.

Unidade também demonstrada em atos semelhantes realizados em Porto Alegre e Florianópolis. É o que revela o presidente da CTB-RS, Guiomar Vidor, que veio a São Paulo só para prestigiar o evento. “Construímos uma unidade em defesa do novo modelo de desenvolvimento que queremos para o nosso país. Porto Alegre abriu o calendário do movimento, seguido por Florianópolis e agora em São Paulo. E deverá se espalhar por todo Brasil. Esse é o objetivo, criar um sentimento cívico de todos os setores da sociedade em defesa desse novo país que queremos construir juntos.

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Para Guimar Vidor ato cria um sentimento cívico na população

Para Moysés Leme, presidente da CTB-DF, a unidade demonstrada em todos os atos representa uma vitória para CTB fomentadora de toda essa união. “Devido a seu princípio de unidade, a CTB foi peça fundamental na organização desse ato contra a desindustrialização, emprego e renda para o país. Nós temos que nos aproximar em volta das propostas que são de interesse do país. E a CTB tem cumprido esse papel com sucesso no nosso país. Demonstrando a que veio. Hoje ela é a liga da grande massa da classe trabalhadora”, destacou Leme, que revelou que ´já estão a todo vapor as reuniões preparatórias para o grande ato nacional que acontece em Brasília no dia 10 de maio.

Trabalhadores, sindicalistas e empresários agora se preparam para cumprir o calendário e engrossar os atos que acontecem em Belo Horizonte, Manaus, Ceará, Bahia e Brasília.

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“Unidade é demonstrada Brasil afora”, observa Doquinha

“Somos todos vitoriosos por todo esse movimento desencadeado Brasil afora, que demonstra esta unidade. Neste ano, mostramos mais uma vez que nós, trabalhadores e trabalhadoras, somos capazes de nos unir por bandeiras que não dizem respeito apenas a nós, mas sim a todo o país”, comemorou Raimunda Gomes, a Doquinha, secretária da Mulher Trabalhadora da CTB.

Cinthia Ribas – Portal CTB (fotos: CTB e Joca Duarte)

Renato: Recuperar a indústria, uma luta pelo futuro do Brasil

Acompanhada pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, a presidente da República, Dilma Rousseff, anunciou uma série de políticas voltadas para a recuperação da indústria brasileira após o desempenho muito abaixo do esperado de nosso PIB em 2011(2,7% de crescimento) e os sinais nada alentadores no primeiro trimestre.

Por Renato Rabelo*, para o Vermelho

Trata-se de um sinal de que o governo está atento ao cenário econômico nacional em conformidade com o impasse europeu e norte-americano.

Estas políticas se traduziram numa expansão dos incentivos fiscais já postos em prática desde agosto do ano passado no âmbito do programa Brasil Maior. Desoneração parcial da folha de pagamentos; desoneração do IPI para produtos sem similar nacional; aumento de recursos para o Programa de Financiamento à Exportação; estímulos para investimentos em infraestruturas e inovação tecnológica; prioridade para a aquisição de bens e serviços nacionais, com margem de preferência de até 25% sobre importados; suspensão do PIS/Cofins para os setores mais afetados pela crise, dentre outras medidas.

Muito bem-vindas tais medidas. Não resta dúvida. A grande questão é saber o real impacto delas na produtividade do trabalho e na competitividade de nossa indústria no médio e longo prazos. É sabido que em economia incentivos fiscais não têm alcance estratégico, servindo mais para tratamentos conjunturais. O “xis” do problema que determina em primeira e última instância a consequência real reside na macroeconomia.

Nossa indústria só será capaz de retomar um ciclo virtuoso nos marcos de uma taxa de juros em patamares internacionais e de uma taxa de câmbio capaz de nos proteger da forte concorrência asiática. Com base nas experiências bem-sucedidas, temos insistido que o controle da conta de capitais é a profilaxia mais indicada numa conjuntura de liquidez internacional completamente fora de controle (guerra cambial).

Mas não podemos tomar nossa vontade como o “senhor do mundo”. É muito claro que medidas de corte mais radical demandam não somente força política acumulada. Demandam premissas de convicções estratégicas. É bom salientar que nem a violência da crise internacional foi capaz de sedimentar no seio do governo e do Estado brasileiros convicções capazes de alterar o escopo de nossa governança. Em quase quatro anos de crise global experimentamos uma verdadeira miscelânea de políticas monetárias: restrição de demanda no início da crise, expansão do crédito em 2009 e 2010, medidas macroprudenciais no início do governo atual, alta dos juros no início de 2011 casada com medidas de contenção cambial via Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), novamente queda da taxa de juros a partir de agosto de 2011…

O resultado não poderia ser diferente com média de crescimento desde 2008 abaixo dos 4%, um setor produtivo completamente exposto a estratégias mercantilistas internacionais e queda acentuada na participação da indústria no PIB (a menor participação deste setor no PIB desde 1950). O emprego industrial tem sido lentamente substituído pelo emprego não qualificado no setor de serviços. A desindustrialização se tornou um fenômeno objetivo. A oportunidade deixada pela crise financeira para um salto de qualidade pode estar sendo deixada para trás. Algo que nem o anúncio de incentivos à indústria poderá reverter no curto prazo.

Mas os sinais são por demais contraditórios. Dois exemplos são salutares. A última ata do Comitê de Política Monetária (Copom) sinalizou para uma taxa juros futura um pouco acima dos “patamares históricos”. Em outras palavras, a taxa de juros não deve chegar tão cedo ao seu menor índice recente (8,75%, registrada entre julho de 2009 e abril de 2010). No anúncio do plano para evitar uma maior desindustrialização do Brasil, a presidente Dilma disse: “Nós aqui hoje dizemos novamente que vamos manter nossa meta de superávit primário, criar condições para a queda dos juros reais, mas que faremos isto sem prejuízo às políticas de estímulo aos investimentos, à indústria e à economia”.

Existem, entretanto, várias fontes de limites na afirmação do Copom e da presidente Dilma. O primeiro limite está no caráter técnico da abordagem e que se entrelaça com as limitações políticas. As condições para a queda da taxa de juros, segundo o governo, estão na queda da relação dívida x PIB que hoje está no patamar de 36%. Daí o “jogo de troca” entre o superávit primário e as contínuas quedas das taxas de juros. Porque esse rigor financeiro permanente? Países como a França, Alemanha, Estados Unidos, Índia e Coreia do Sul com dívidas públicas (em relação ao PIB) maiores que o Brasil mantêm taxas de juros altamente atraentes ao crédito e ao consumo.

Também esta abordagem liberal e “técnica” não seria um subterfúgio para evitar o debate sobre a remuneração da caderneta de poupança, isso sim algo que pode evitar quedas mais substanciais da taxa de juros?

As coisas devem ser ditas de forma explícita. A queda da taxa de juros, mantendo sempre elevado o superávit primário, se dá sob o preço da queda de qualidade do atendimento público de saúde, de um sistema educacional onde mais da metade dos estados da federação são incapazes de pagar o piso mínimo para os professores, e de uma situação social que atinge em cheio as periferias das grandes cidades por meio de índices crescentes de assassinatos. Quanto tempo mais, pautado pelo superávit primário, o país necessitará para se atingir as taxas de juros próximas das praticadas no mundo?

O povo não merece este sofrimento enquanto os bancos continuam a bater recordes de lucros. Sim, é fato. A queda da Selic não redunda diretamente em crédito mais barato e mais ágil. Dados disponibilizados na última semana dão conta de um aumento de rendimento do sistema financeiro, a partir de agosto – portanto após a sequente queda da Selic –, de 78% auferidos com spreads bancários e tarifas bancárias escorchantes. Dentro da lógica monopolista que rege nosso sistema financeiro, o tempo entre a queda da Selic e o repasse desta medida no custo de capital é muito defasado.

Isso pode ser solucionado com a concorrência bancária entre os setores estatal e privado do sistema financeiro. Não somos advogados da “concorrência perfeita”. Quem advoga este princípio são os neoliberais. Mas qual a razão deste princípio não se aplicar ao sistema financeiro? Isto só pode ser explicado pela lógica de quem detém realmente o poder político.

Em suma, tudo indica que estamos aproveitando a crise para diminuir a dívida pública e não para obter êxito no fomento de nossa taxa de investimentos. É evidente que o governo trabalha com dois eixos estratégicos. O primeiro (“mãe de todas as batalhas”), o combate à inflação. Sobre isso não resta dúvida. O segundo, que é um elemento novo – o objetivo de se reduzir a dívida pública em relação ao PIB.

Como se percebe, a batalha em torno do futuro do Brasil está aí. Transcorre num ambiente complexo e tendente à despolitização. Onde sobram consensos técnicos, falta o “bom senso nacional”, que siga um caminho próprio, necessário ao descortino de novo horizonte para o Brasil.

* Renato Rabelo é presidente nacional do PCdoB